O imposto do pecado

O ministro Paulo Guedes propõe sobretaxar doces e ultraprocessados. Se a tentação ficar mais cara, você deixará de pecar? Leia meu artigo, que foi publicado originalmente na revista Veja.

Leia mais:

Não comerás como antes – Conheça a revolução da comida disruptiva
Construa sua longevidade – Velho ou jovem é questão de decisão

Por ter sido criada numa família tradicional portuguesa, cresci em meio a um ambiente católico onde muito se falava em pecado.

Como criança acima do peso que vivia em supermercados, sempre fui ligada em comida também.

Culpa e comida foram temas recorrentes na minha infância, a ponto da história da maçã de Adão e Eva terem despertado minha curiosidade desde cedo: o custo daquela mordida teria ao menos valido a pena?

No mundo atual, os doces ganharam força e representatividade entre os pecados.

E o castigo é a gordura extra na cintura e todos os problemas associados a ela.

Um preço que, infelizmente, muitas pessoas não se importam em pagar no corpo.

Embora agora, a ideia seja cobrar esse ônus em dinheiro mesmo.

A proposta foi apresentada em janeiro pelo ministro Paulo Guedes em Davos.

Sob a alcunha de “imposto do pecado”, a ideia de sobretaxar bebidas alcoólicas, adoçadas e alimentos ultraprocessados não pegou bem no governo.

O presidente Jair Bolsonaro teria dito: “Pô Paulo Guedes, a alegria do povo brasileiro é tão pouca…”.

E como ninguém aceita pagar mais impostos, não foi à toa que essa ideia recebeu críticas apressadas.

Por outro lado, essa proposta trouxe a oportunidade de discutirmos os impactos econômicos do consumo desses alimentos no sistema de saúde.

Há várias experiências no planeta que correlacionam o aumento de impostos à redução da demanda de produtos que geram impactos sociais negativos.

Se ficam mais caros, cai o consumo.

E não se trata de tributar ainda mais os alimentos de primeira necessidade, mas itens supérfluos que reconhecidamente fazem mal às pessoas.

A tônica da proposta, na minha percepção, nunca foi expulsar ninguém do Paraíso, e sim, promover um consumo mais consciente.

No plano individual, desde o início do meu processo de emagrecimento eu já havia percebido que algumas concessões “pecaminosas” precisavam ser feitas em nome de um compromisso com uma nova dieta assumido para a vida toda.

A existência não tem graça sem uma leve transgressão ou outra à mesa!

As reeducações alimentares mais bem-sucedidas pregam que uma escapada de vez em quando, não apenas é normal, como é bem-vinda.

Eu, por exemplo, sempre recomendei até cinco “derrapadas” por semana na dieta: um copo de vinho, um brigadeiro fora de hora, uma empadinha, ou qualquer outra coisa que pudesse provocar a fúria de Hígia no Olimpo, deusa grega da prevenção de doenças, da limpeza e da sanidade.

O conceito do pecado sempre foi complexo demais, assim como as reações exasperadas a ele, contra e a favor.

Hoje entendo que, para pecar, é preciso que o prazer valha muito a pena (daí minha dúvida eterna sobre o sabor da maçã de Adão e Eva).

Lembrando que estamos próximos ao Carnaval, outra festa tida por muitos como “pecaminosa”.

Tempo bom para pensar que, quando um assunto mexe com a saúde, todo enredo condenatório poderia ser melhor ensaiado.

Texto publicado originalmente na revista Veja.

Tags: , ,