Fora da ordem

Receitas devem ser seguidas até onde nos levem a um prato, ou um destino, mais gostoso. Leia meu artigo publicado na revista Veja.

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Poderia um prato culinário representar um país?

Oitenta centímetros de comprimento, de seis a sete centímetros de largura e peso entre 250 e 300 gramas dizem que sim.

Sem esquecer a casquinha crocante, e o miolo macio e elástico.

Estas são as características que deve ter uma autêntica baguete, hoje representante da França para o registro de patrimônio cultural imaterial da Unesco.

Se assim quiser ser chamada.

Chegar a estas medidas não foi algo fácil. Se você pensou em uma avó passando a receita para a netinha em algum arrondissement de Paris, enganou-se.

Este foi o motivo principal da Revolução Francesa.

A verdade é que a tomada da Bastilha foi mais um pedido de pão do que uma revolta contra a coroa.

Este era o alimento principal no país. Sua escassez levou a uma série de tumultos, conhecidos como “la guerre des farines”.

A rainha não entendeu, e sugeriu brioche. Dias depois, Maria Antonieta conheceu a guilhotina.

Como primeira medida do novo governo, todos passaram a comer o mesmo tipo de pão: o “pão da igualdade”.

Nascia assim a baguete, em formato comprido e fino, feita com farinha branca e à base de levedura de cerveja.

E dimensões estabelecidas como justas.

Bem, eu não pensei assim.

Ao menos quando conheci o alimento, em meus primeiros passeios pela Champs-Élysées.

Afinal, você já comeu uma baguete francesa na França?

Eu era outra, confesso, com 60 quilos a mais.

E, também admito, enlouqueci.

Foi quando cruzei as portas de uma loja da rede Pomme de Pain e comi uma baguete com queijo emmental derretido.

Sem me importar com regras, eu só queria mais daquilo.

E pensei como seria bom com o dobro de queijo.

Mas, em todas as vezes que tentei fazer o pedido desta forma, quase provoquei outra revolução!

Afinal, quem era eu para alterar o preparo de uma baguete?!

Outros povos têm as mesmas reações. Imagine em plena Liguria pedir um spaguetti a pomodoro feito com fusili.

Em Tóquio, experimente pedir mais wasabi.

Os olhos se arregalam ao ver a quantidade que colocamos na comida, quando viajamos por lá.

Nunca pensamos o quanto uma inocente alteração no pedido em um restaurante no exterior vá causar um incidente diplomático, ao ofender culturas exógenas.

Imagino que, por sermos filhos de um país de pouco mais de 500 anos, onde foram reunidas diferentes origens, podemos ter um relaxamento quanto à rigidez das receitas.

Até das minhas!

Há quem ponha coentro, folhas de louro ou colorau em tudo, de cozidos a uma lasanha, e siga sendo feliz por toda a vida.

Realmente, o conflito não pode vir daí.

Nem deve haver conflito! Atualmente, as regras que devemos seguir são poucas.

Dizem respeito a usar máscara com camada tripla, manter distanciamento, passar álcool em gel nas mãos, e lavá-las sempre por mais de 20 segundos.

Sem deixar de se vacinar quando for chegada a sua vez na fila, obviamente.

Seguindo à risca tão poucas orientações, logo poderemos viajar novamente.

E, aonde formos, provar os pratos como manda a tradição do local.

Ou não.

Publicado originalmente na revista Veja.

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