O caminho das pedras

Descer a pé a Estrada Velha de Santos vale cada passo. Leia meu artigo publicado na revista Veja.

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Uma pesquisa recente revelou que um dos maiores anseios relacionados ao fim da quarentena é rever o mar.

Também gosto do mar, é claro, mas sempre valorizei mais caminhos que destinos.

Já escrevi aqui sobre minha experiência de andarilha pelo caminho francês de Santiago de Compostela, que percorri com Luiz, meu marido.

Imagens dessa viagem de 2018, assim como as lembranças do turbilhão de sensações vividas, tomam conta de mim até hoje.

Durante o confinamento, não via a hora de curtir meus filhos e retomar minhas caminhadas de aventura, sem hora para voltar.

No primeiro fim de semana desta primavera com ares de verão, tive o privilégio de realizar os dois desejos num único programa.

Luiz, filhas, genro e eu agendamos uma descida a pé até a Baixada Santista pela Estrada Velha.

O curto percurso, de apenas 9 quilômetros, é rodeado de Mata Atlântica, sítios históricos, quedas-d’água.

A experiência foi potencializada por céu nublado, cerração baixa, garoa persistente, friozinho refrescante na medida certa — a intempérie amena, eu sei, é companheira fiel das melhores trilhas.

Primeira rodovia asfaltada da América Latina, o caminho paulista começa em São Bernardo do Campo e termina em Cubatão.

A flora, repleta de espécies raras, é digna de um jardim botânico selvagem.

Quanto aos monumentos, eles nos remetem aos anos 1920, nos idos da Primeira República.

Há também ecos imperiais, como a histórica Calçada do Lorena, por onde dom Pedro subiu a serra para declarar a independência do Brasil às margens plácidas do Ipiranga.

Para quem quer matar a vontade de ver o mar, nem precisa ir até o fim.

Basta chegar ao Pouso Paranapiacaba, que em tupi-guarani quer dizer “lugar de onde se avista o mar”.

Paramos ainda no Belvedere Circular — ponto em que a Estrada Velha cruza a Calçada do Lorena — e no Rancho da Maioridade, assim nomeado em alusão à emancipação de dom Pedro II.

Segundo a lenda, o local teria servido de alcova para encontros furtivos entre o imperador dom Pedro I e Maria Domitila, a Marquesa de Santos.

Fake news: a data de construção é posterior àquele relacionamento – sem falar que a Marquesa de Santos nunca pôs os pés em Santos.

Andar sob a garoa, ao contrário do que se imagina, pode ser agradável.

O farelo d’água afasta o calor e os mosquitos.

Se a temperatura mais baixa incomodar, o segredo é relaxar, soltar os ombros, deixar o sangue fluir — e ignorar o tênis molhado.

O corpo se acostuma.

Em tempos de pandemia, a garoa tem a vantagem de dispersar aglomerações.

Durante o percurso, não vimos ninguém, salvo um casal que passou por nós em sentido contrário.

Foi um passeio animado, que nos deu oportunidade para uma boa conversa, enquanto comíamos paçocas e sanduíches levados nas mochilas.

Como é bom sentir a tranquilidade de estar em família a céu aberto, ainda mais em cenário tão exuberante.

Terminei o programa já pensando no próximo. Fiquei imaginando a quantidade de rotas de aventura espalhadas pelo país.

Elas merecem ser percorridas, como se faz nas trilhas de Santiago de Compostela, ao som do hino-canção “Caminante, no hay camino, se hace camino al andar”.

Publicado originalmente na revista Veja.

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