Vínculos do tempo

O ritmo frenético não justifica deixar de fazer o que é relevante. Leia meu artigo publicado na revista Veja.

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É preciso ir devagar se quisermos ir longe, diz o ditado, com a sabedoria das constatações simples, aquelas que nascem da observação da natureza.

Os índios, por exemplo, são mestres no ofício de tirar lições de vida a partir das circunstâncias que lhes cercam e determinam sua existência.

O céu, o rio, a floresta, as estações, tudo para o índio tem um valor que nós, habitantes da cidade, com frequência subestimamos — o valor sublime daquilo que nos é dado pelo universo.

Como o tempo.

Apesar de tentarmos controlá-lo com ponteiros ou telas digitais, o tempo não é mensurável por um único padrão.

Ele acelera e desacelera de acordo com nosso estado de espírito.

Há o tempo medido pela urgência, quando um prazo se impõe.

Há o tempo do lazer, da conversa agradável, que se dissipa num piscar de olhos.

Há o tempo preguiçoso, que escorre por entre os dedos, desperdiçado como a água preciosa.

Há o tempo de festa e o tempo de luto, cada um dura quanto deve durar, mais curto e intenso para uns, mais longo e diluído para outros.

É subjetiva, portanto, a percepção do tempo, esse “tambor de todos os ritmos”, na definição precisa de Caetano Veloso.

Nas últimas décadas, nos acostumamos a um ritmo frenético, inimaginável para nossos pais e avós.

Os avanços da tecnologia multiplicaram nossas obrigações.

Ironicamente, cada facilidade a que temos acesso corresponde a uma dificuldade extra, uma tarefa adicional.

O celular, por exemplo, nos franqueia o contato imediato com o mundo, mas demanda atenção a inúmeros grupos, nem todos realmente importantes.

Com tantas facilidades ao nosso dispor, ficou mais complicado conciliar todas as esferas da vida — trabalho, estudo, família, amigos, lazer.

Assim, engolidos pela rotina, vamos passando os dias sem dedicar um minuto a nós mesmos ou negligenciando os que nos são mais próximos.

Até que ponto, no entanto, as múltiplas distrações da vida moderna são desculpa para não fazermos o que mais importa?

Algumas pessoas têm um admirável talento para fazer o tempo render, a convicção de que quinze minutos de agenda é tempo precioso.

Fazem tudo com consciência, aproveitam cada reunião, cada conversa, para extrair o máximo do momento.

Além de excelentes administradores do tempo, são notáveis gestores da informação que recebem — o que também os faz economizar tempo para apreciá-lo da maneira que se deve.

Conheço executivos que só comissionam trabalhos a quem “não tem tempo”. Sabem que os profissionais mais demandados produzirão o tempo extra que for necessário.

Sim, porque é possível fazer o próprio tempo.

O distanciamento social mudou um pouco nossa relação com o tempo. Reduzimos a marcha, o que nos deu a oportunidade de rever a maneira como o desfrutamos.

É esse o momento de encarar aquele projeto pessoal tantas vezes adiado.

Pode ser o que for: testar uma receita nova, planejar uma viagem dos sonhos para quando tudo isso passar, se dedicar a montar a árvore genealógica da família, ler aquele clássico com a calma que ele merece.

E, sobretudo, conviver mais com quem amamos.

Aliás, é sempre bom lembrar que o tempo compartilhado com alguém é a mais poderosa força criadora de vínculos.

Publicado originalmente na revista Veja.

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