A vacina e o relógio

A percepção é a de estarmos encurralados por essa doença invisível e traiçoeira. Leia a coluna de Luiz Carlos Trabuco Cappi publicada no Estadão.

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A expectativa pela vacina desperta um sentimento misto de angústia e esperança, que se mede pelo olhar insistente no passar das horas e dos minutos do relógio.

Essa frustração simboliza a situação de milhões de brasileiros, entre eles minha mãe, 94 anos, acamada, que recebeu a primeira dose da vacina no cronograma das autoridades, o tempo possível.

Mas, para nós, familiares, essa espera equivaleu ao tempo de um cronômetro eterno.

Incontáveis mães, pais e filhos, de todas as idades e lugares do País, ainda não sabem ao certo quando receberão a imunização.

E, a cada dia de incerteza, mais aumenta a sensação de um tempo que não passa.

A percepção é a de estarmos encurralados por essa doença invisível e traiçoeira.

Ainda que o distanciamento social pareça congelar o tempo, com todas as mudanças de hábitos que ele implica, o relógio não para, a pandemia avança e isso nos faz viver na relatividade do tempo.

No ar, há um mistério: qual o motivo de estarmos sofrendo nesse vácuo, quando nossa tradição nos programas de vacinação em massa é funcionar com a precisão e eficiência de um relógio suíço?

Historicamente, a vacinação em massa é expertise do Brasil.

O Programa Nacional de Imunizações, criado em 1973, dispõe de mais de 40 mil postos de atendimento e oferece anualmente 300 milhões de doses de cerca de 30 vacinas.

Seria possível retomar a nossa performance histórica a partir dessa base de experiência e conhecimento técnico e científico acumulados.

O fundamental, obviamente, é lançar mão de uma boa dose de efetividade comercial na compra de vacinas – e, também, aprovar seu uso de forma rápida.

Talvez seja uma boa sugestão o lançamento de um fast track de bom senso em relação às vacinas produzidas e homologadas por vários laboratórios reconhecidos mundialmente.

Em matéria de emergência de saúde pública, o conceito é salvar a vida do maior número de cidadãos brasileiros, no menor tempo possível.

A chance de aproveitar a janela de oportunidade para uma segunda etapa na vacinação é agora.

Autoridades de diversas áreas do governo, como equipe econômica e Banco Central, além das lideranças do Congresso, estabeleceram a imunização em massa como prioridade.

As condições objetivas existem.

O Brasil tem dois centros de excelência na produção de vacinas – Fiocruz, no Rio de Janeiro, e Butantan, em São Paulo.

No segundo semestre, os dois institutos devem inaugurar novas fábricas, capazes de criar também o ingrediente farmacêutico ativo (IFA), necessário para a fabricação das vacinas da Oxford-AstraZeneca e da chinesa Sinovac.

A vacina resolve a crise.

No início de fevereiro, Israel identificou uma queda de 41% no número de novos casos de covid-19 em pessoas com mais de 60 anos.

Nos Estados Unidos, em meados de fevereiro, o número de casos novos caiu 39% e o de hospitalizações, 28%.

O Reino Unido iniciou um processo gradual de flexibilização das regras de distanciamento.

Todos esperam mais eficiência do combate à pandemia.

Em primeiro lugar, para barrar o sofrimento da população.

Em seguida, para fazer a economia crescer, criar empregos e retomar os investimentos.

Imunizar a população é criar condições para o início mais rápido da recuperação plena das atividades econômicas.

Em adendo, teremos a possibilidade de sair dessa crise com uma indústria farmacêutica fortalecida, capaz de produzir vacinas e insumos para fabricação a toda a população brasileira.

Com a soma das reformas constitucionais já em andamento, poderemos oferecer a esta e às futuras gerações a possibilidade de paz, prosperidade e boas oportunidades de emprego e investimento.

Não podemos transformar a justa expectativa pela farta oferta de imunizantes para todos numa exasperante espera de Godot, o salvador que nunca chega.

Publicado originalmente em O Estado de S. Paulo.

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