Um gambito para 2021

País começará o ano herdando um tabuleiro marcado por lances já realizados. Leia a coluna de Luiz Carlos Trabuco Cappi publicada no Estadão.

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A estratégia desenhada para enfrentar os desafios de 2021 exigirá empenho, soma de esforços e agilidade.

O cronômetro do jogo cobra ações imediatas.

Neste começo de ano, um tempo de esperança e afeto, compartilho uma ideia.

Pense no tabuleiro de xadrez, um jogo que tem muito a nos ensinar.

O desenvolvimento cognitivo que ele favorece, assim como os valores que propõe, podem mudar, para melhor, nossa maneira de ver as coisas.

O xadrez vive um novo momento de glória com a popularidade da série O Gambito da Rainha.

Nela, a protagonista Elisabeth Harmon é tida, desde a infância, como um prodígio dos tabuleiros.

A jovem passa os episódios enfrentando grandes mestres e vencendo quase todos – superando barreiras e preconceitos que a tornam uma figura emblemática da falta de inclusão e diversidade no esporte que também é uma profissão.

Uma das falas mais interessantes da personagem, num episódio marcante, é que “o xadrez nem sempre é competitivo; ele pode ser simplesmente lindo”.

Nesse jogo, toda informação que precisamos está plenamente disposta no tabuleiro.

O resultado da partida dependerá única e exclusivamente da habilidade de cada um.

Não existe o “contar com a sorte”.

O que há como diferencial é a preparação, o estudo, o conhecimento.

O xadrez começa sempre polarizado: brancas e pretas caminhando em direção ao centro.

A jogada chamada gambito da rainha (ou estratégia da dama) consiste em oferecer um sacrifício que envolve a peça de maior mobilidade dentro do tabuleiro, para se ganhar uma vantagem posicional efetiva.

Esse movimento pode ser aceito ou recusado pelo adversário, decisão que definirá o rumo da partida.

Curiosamente, os sacrifícios em favor de continuar seguindo em frente foram uma constante ao longo de 2020, tanto na esfera pública quanto na privada.

Sempre existiram muitas associações entre as instituições modernas e o papel que caberia a elas no tabuleiro de xadrez.

Os reis certamente seriam os governos; as poderosas rainhas, talvez as grandes corporações; os bispos, a mídia que, mais do que nunca, inspira veneração; o cavalo e a torre seriam os exércitos e as forças de segurança; e, evidentemente, os peões representariam os cidadãos comuns.

Não se pode nunca desfazer um movimento no xadrez, mas é possível se recuperar e fazer com que os próximos lances sejam bem melhores.

Em 2021, o País começará o ano herdando um tabuleiro marcado por lances já realizados, como o decreto de calamidade pública e a provisão de créditos extraordinários, entre outros.

Assim como pelo recuo em alguns quadrantes importantes, como os das reformas tributária e administrativa.

Um bom estrategista no xadrez da economia consideraria imutáveis algumas regras do jogo, como o respeito à meta fiscal, à regra de ouro e ao teto de gastos.

Provavelmente movido por um sentimento experimentado pelos melhores enxadristas de que, “se um jogador acredita em milagres, às vezes ele pode operá-los!”.

O jogo de xadrez celebra a importância da ponderação, da engenhosidade e do estudo de jogadas já realizadas, para que não se repitam no presente os mesmos erros cometidos antes.

Igualmente, premia a ação executada dentro de um timing específico.

A série valoriza, ainda, a importância de despir-se de vaidade.

A certa altura, o personagem Harry Beltik, que fora um adversário vencido por Elisabeth quando ela ainda era criança, torna-se seu mentor.

E ao vê-la cheia de vícios na vida adulta, trilhando caminhos errados, sentencia: “É tolice correr o risco de ficar louco por vaidade”.

E assim, movido por um bem maior, empenha-se em trazê-la de volta à realidade e dar novo rumo à partida.

Sempre em nome da beleza do jogo.

São esses valores que merecem uma reflexão cuidadosa para enfrentarmos os próximos lances de 2021.

E, como diria a protagonista, ao final do último episódio: “Let’s play!”.

Texto publicado originalmente em O Estado de S. Paulo.

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