Teto de gastos é amortecedor da dívida

Respeitar o teto de gastos traz confiança à condução da economia. Leia a coluna de Luiz Carlos Trabuco Cappi publicada no Estadão.

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Entre as muitas consequências da pandemia, o Brasil se vê, hoje, com uma dívida interna de R$ 6,1 trilhões, que equivale a 85,5% do PIB.

Há apenas um ano, a dívida era de 75,8% e, segundo estimativas, deve chegar a mais de 100% em 2022.

Em patamar tão elevado, é natural que cause preocupação.

Por uma razão: dívidas altas em sua maioria indicam a má administração de um governo que gasta sem responsabilidade e é obrigado a cobrir seus déficits com títulos públicos.

No entanto, no caso brasileiro, quando se observa o desenrolar da pandemia, percebe-se que o governo fez bem em gastar.

Foram expressivos os desembolsos para hospitais e instituições de saúde e milhões de brasileiros que perderam o emprego ou os meios de trabalho. Sem isso, a pandemia teria sido um desastre muito maior.

É certo que uma dívida interna alta produz distorções na economia.

Absorve volume considerável de impostos para pagamento de juros em vez de destinar recursos para o bem-estar social e investimentos.

Uma lacuna grave num país em que o setor público investe tão pouco.

Há outras considerações a respeito da dívida atual.

Ela ocorre num momento em que os juros estão historicamente baixos.

Por isso, a dívida, embora se aproxime dos 100% do PIB, não é explosiva.

Além disso, o governo tem crédito para colocar os seus papéis no mercado.

Não há, também, risco de um ataque especulativo, como ocorreu em outros países.

Estrangeiros detêm apenas 9,1% do total da dívida.

Quanto à dívida externa, que foi o grande pesadelo durante a década de 1980, o País está bem, com reservas internacionais superiores ao que deve.

A dívida interna é um problema incontornável quando ela evolui a taxas crescentes e paga juros mais altos para sua rolagem.

Não é o caso do Brasil.

O governo tem se movimentado com prudência na administração da dinâmica da dívida, que cresce a um ritmo menor e a juros declinantes.

É um movimento consistente e mostra um controle adequado sobre a evolução da dívida.

Apesar disso, uma dívida tão alta é preocupante e significará nos próximos anos um esforço considerável de contenção de despesas e aprovação de reformas estruturais.

Ela surgiu de um déficit primário que encerrou 2019 na casa de 1,3% do PIB e pode chegar em 2020 a 12% do PIB ou mais.

A pandemia provavelmente será debelada: vacinas já estão em testes em todo o mundo, inclusive no Brasil.

De forma que os custos emergenciais com a doença tendem a desaparecer com o tempo.

Ainda assim, será preciso algum sacrifício para resolver o passivo deixado pela covid-19.

O governo tem instrumentos para resolver essa questão, e de forma consistente, buscando uma agenda de crescimento composta por reformas estruturantes, privatizações e concessões.

É o melhor meio de cobrir o déficit.

Um dos principais instrumentos para controlar essa dívida é o mecanismo constitucional do teto de gastos.

Por essa medida, os gastos de um ano devem acompanhar a inflação do ano anterior.

É um dispositivo que funciona como amortecedor da dívida pública.

Respeitar seu preceito traz confiança à condução da economia.

É, portanto, fundamental que governo e Congresso defendam e preservem seu cumprimento para sinalizar uma gestão realista em relação às contas nacionais. E que o Brasil é uma casa segura para investir.

A reforma tributária já deu um passo no Congresso.

Resta a reforma administrativa (tão prometida e tão adiada), que reduza gastos e melhore a eficiência da máquina governamental.

Privatizações e concessões são palavra de ordem da atual administração federal.

O desejável, nesse contexto de crise aguda que vivemos, é uma construção política, na qual cada grupo dialogue com a sociedade e dê sua cota de sacrifício, ao abrir mão de parte dos seus interesses imediatos em prol dos interesses gerais e de longo prazo do País.

Texto publicado originalmente em O Estado de S. Paulo (17/08/2020).

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