Superar a acomodação

Há muito tempo o País cresce de forma letárgica, 1% ou 2%, isso quando não temos recessão. Leia a coluna de Luiz Carlos Trabuco Cappi publicada no Estadão.

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Um dos pensadores mais influentes do século 20, Jean Piaget definiu o termo acomodação como uma etapa natural do processo evolutivo.

Podemos dizer que é nessa fase em que nos encontramos, com a economia paralisada diante das atuais circunstâncias.

Passada a fase mais crítica da covid-19, chegou a hora de pensar no futuro que queremos para o Brasil, a economia e a nossa cidadania.

Vamos deixar de lado, por enquanto, a hipótese de uma segunda onda da pandemia.

O País sairá dessa crise sanitária com problemas econômicos sérios, mas que podem ser resolvidos, e com o desafio de voltar a crescer num ritmo robusto e duradouro.

Temos os alicerces para isso: instituições sólidas, democracia, sociedade civil ativa e influente, boas universidades, boas empresas, bons profissionais.

O Brasil não é um país pobre, pequeno ou irrelevante no plano mundial.

Já é tempo de reorganizar todos esses ativos com a finalidade de reingressar num ciclo de desenvolvimento econômico e de progresso social compatível com a nossa história e com as nossas possibilidades.

Devemos nos levantar e seguir em frente.

Entre os problemas a resolver está a grave questão fiscal.

Os gastos essenciais feitos pelo governo em saúde e no auxílio emergencial provocaram um déficit que deve elevar a dívida pública a algo próximo de 100% do PIB.

A parada repentina da economia em 2020 fez subir o número de desempregados para 14 milhões e provocou o fechamento de empresas.

É preciso um programa de assistência a vulneráveis, responsabilidade da qual não podemos fugir.

Os manuais de economia têm soluções para crises fiscais, insolvência, desemprego, mas a resposta definitiva é o crescimento econômico consistente.

Essa é a pauta que devemos colocar no topo das prioridades do País e fazê-la avançar com foco e energia.

A primeira barreira a ultrapassar, como já vimos, é a da acomodação, um fenômeno natural depois de décadas de programas de estabilização e ajustes, seja por causa da hiperinflação e das crises cambiais, seja, como agora, o descontrole fiscal.

Há muito tempo o País cresce de forma letárgica, 1% ou 2%, isso quando não temos recessão.

Com essa situação, damos as costas às nossas desigualdades sociais.

Sem crescimento, é impossível combater a miséria e acirram-se os conflitos de interesses.

A primeira coisa a resgatar, portanto, é a ambição de assumir o crescimento como meta central.

Na virada das décadas de 1930 e 1940, o País optou pela industrialização e urbanizou-se.

A renda per capita dobrou nas primeiras quatro décadas do século 20 e quintuplicou nos 40 anos seguintes.

No referido ciclo, surgiram a moderna indústria brasileira, as grandes obras de infraestrutura e a expansão das fronteiras agrícolas.

O sistema financeiro ganhou escala, capilaridade e capacidade de fomentar a economia.

Foram anos de crescimento contínuo e a taxas muito mais altas do que as que vemos hoje.

Entre 1946 e 1957, o PIB brasileiro cresceu, em média, 6,33% ao ano.

No ciclo seguinte, entre 1958 e 1978, a taxa média anual atingiu patamares chineses: 7,39%.

A partir desse ponto, lidando com fatores como hiperinflação e crise da dívida externa, perdemos a perspectiva do crescimento.

A estabilização econômica passou a ser a tônica.

Entre 1979 e 2003, a taxa média anual retrocedeu para 2,26% e chegou a 3,80% no período entre 2004 e 2012.

Os piores resultados se deram em 2015 e 2016, quando o PIB ficou negativo respectivamente em 3,55% e 3,31%.

Desde 2017 não crescemos além de 1,1% ao ano.

Assim como a hiperinflação foi resolvida com o Plano Real, agora precisamos superar a estagnação com um programa abrangente de desenvolvimento e modernização que priorize a educação, a inovação, a tecnologia e a infraestrutura, sem as quais nossas iniciativas serão efêmeras, parciais e isoladas.

Dificuldades fazem parte da evolução humana – não podemos nos vitimizar em razão das ilusões perdidas.

É hora de afirmar nossa vocação para o desenvolvimento.

Texto publicado originalmente em O Estado de S. Paulo (26/10/2020).

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