A síndrome do restaurante chinês

O preconceito sobre o que vem da China não é de hoje, inclusive em relação aos hábitos alimentares. Leia meu artigo, que foi publicado originalmente na revista Veja.

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A crise do coronavírus começou numa refeição servida na China, país que sempre despertou preconceitos em relação à sua culinária.

Apesar de gerar incômodo, o velho ditado cantonês que diz que “tudo que anda, rasteja, voa e dá as costas para o céu é comida” inspira-se no desafio daquele país de alimentar 1,3 bilhão de pessoas diariamente.

Hoje a alimentação da população chinesa está muito melhor do que foi há 50 anos, com o crescimento econômico vertiginoso que o país conheceu – não à toa exportamos tanta proteína animal para lá.

Mas o fato do coronavírus surgir num mercado gastronômico em Wuhan em nada favorece a derrubada de preconceitos culturais.

O curioso é que a origem do preconceito contra a culinária chinesa vem de longa data.

Lembro que, até os anos 1970, se estendia a tudo que vinha da Ásia, inclusive ao Japão, numa época que consumir peixe cru sobre bolinhos de arroz era considerado algo exótico.

Mesmo condimentos produzidos industrialmente há décadas foram vistos com desconfiança, e o exemplo mais emblemático disso foi o do glutamato monossódico, tempero desenvolvido no Japão, mas que entrou para a história cercado de polêmicas por conta de um episódio conhecido como a “síndrome do restaurante chinês”.

O ácido glutâmico é um dos aminoácidos não essenciais mais abundantes na natureza, encontrado em muitos alimentos como carne vermelha, tomate, cogumelos, queijo parmesão e até camarão.

Nosso corpo produz glutamato o tempo todo, até por ser um importante neurotransmissor, fundamental para o aprendizado e a memória.

Em 1908, um professor de química da Universidade Imperial de Tóquio, chamado Kikunae Ikeda, o isolou a partir de uma alga marinha.

E fazendo isso, percebeu um novo sabor – diferente do doce, do salgado, do azedo e do amargo – que batizou de umami.

O professor Ikeda patenteou sua descoberta na forma de um sal que acabou virando o produto que leva o nome comercial de Ajinomoto.

Mas muita fake news já reinou em torno do glutamato desde 1968, quando um prestigiado médico e pesquisador chamado Robert Ho Man Kwok foi jantar com alguns amigos num restaurante chinês onde consumiram álcool a noite toda.

No dia seguinte, o doutor Robert percebeu alguns sintomas muito parecidos com os de uma ressaca mas, curiosamente, acreditou terem relação com o glutamato (sabe aquela história da azeitona da empadinha?).

E então relatou sua experiência num artigo, publicado no prestigioso New England Journal of Medicine, pedindo à comunidade acadêmica que investigasse aquele tempero que acreditava ser responsável por uma possível “síndrome do restaurante chinês”.

O boato viralizou pelo mundo. A partir daí, formaram-se times de pesquisadores contra e a favor do glutamato, com estudos científicos procurando provar isso ou aquilo.

Em todos esses anos, a imensa maioria dos estudos não encontrou evidências de que o glutamato na comida causaria quaisquer sintomas.

Análises de sangue também não indicam que o produto tenha potencial alergênico.

E mesmo em estudos em que o glutamato foi consumido puro, os pesquisadores não chegaram a qualquer conclusão.

Até que em 1995, o FDA, órgão que controla alimentos e remédios nos Estados Unidos, convocou um painel de especialistas para esclarecer essa questão e deu sua sentença final a favor do glutamato monossódico: absolutamente seguro para consumo.

Tanto que hoje o glutamato é recomendado inclusive por hospitais como substituto ao sal na dieta de hipertensos, até porque tem menos da metade do teor de sódio.

Quando falamos de alimentação, muitas vezes as informações chegam de uma maneira superficial, o que as leva as pessoas a embarcarem no modismo da vez.

Pouco se questiona sobre aquilo que é divulgado, e poucos se interessam em romper a superfície do que é declarado.

Curiosa por natureza, eu sempre procurei investigar o fundamento por trás de cada alegação que surge de tempos em tempos sobre determinado alimento, deixando qualquer preconceito fora da equação.

Sempre gostei do glutamato, para mim é o melhor realçador de sabor de vegetais.

E para quem deseja emagrecer sem preconceitos, e quer pegar o gosto por legumes e hortaliças, não conheço melhor aliado.

Texto publicado originalmente na revista Veja.

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