Sabor de algoritmo

A cozinha como posto avançado de experimentação tecnológica. Leia minha última coluna publicada na revista Veja.

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A parafernália eletrônica que hoje temos à disposição nas cozinhas é digna do universo feericamente robótico de “Os Jetsons”.

A comparação é tão previsível quanto inevitável.

Muitos utensílios imaginados por mentes criativas que deram vida a uma família de um futuro remoto estão agora ao alcance de nossas mãos.

É como se tivéssemos uma Rosie pronta para nos auxiliar em todas as tarefas.

Rosie, para quem não se lembra, é a assistente-robô divertidamente autoritária, uma modelo fora de linha à qual os Jetsons se afeiçoaram.

No ambiente doméstico, a cozinha tem sido um posto avançado de experimentação tecnológica, um campo constantemente explorado por empresas que viabilizam aparelhos capazes de responder aos comandos da inteligência artificial.

Uma reportagem recente de VEJA menciona alguns desses objetos que desafiam nossa imaginação.

Por exemplo, um cooktop que não apenas desempenha as funções básicas que dele se esperam, fazendo as vezes do fogão, como oferece dicas de cozimento e receitas, desde que devidamente acoplado a um smartphone com o aplicativo apropriado.

O algoritmo certo pode colocar em pixels até o inventor da nouvelle cuisine, Paul Bocuse, para nos ensinar a obter o ponto certo da omelete.

Outro exemplo: uma geladeira que avisa quando os alimentos nela guardados estão próximos do prazo de validade.

Não se trata de protótipos experimentais.

Da família de invenções associadas à internet das coisas, esses são aparelhos que já estão disponíveis, para quem estiver disposto a pagar um pouco mais pela novidade.

Como sempre acontece, os preços devem baixar com o tempo, na medida em que os diferenciais deixem de ser novidade.

Foi assim com a panela de pressão e o forno de micro-ondas, para citar dois exemplos da história contemporânea da cozinha.

A panela de pressão, cujo princípio era conhecido desde o século XVII, passou a ser comercializada durante a Segunda Guerra Mundial.

Quanto ao micro-ondas, fez sucesso a partir dos anos 70 do século passado.

Hoje, são tão comuns quanto uma garrafa térmica ou um simples fogão.

Enquanto isso, surgem aparelhos tipo machine learning, que têm a capacidade de aprender tarefas repetitivas e desenvolver a iniciativa de fazê-las por conta própria – sim, por conta própria.

Cozinha automatizada, no entanto, não significa que a arte da culinária deva ser colocada no piloto automático.

Os novos aparelhos surgem para estimular chefs e cozinheiros amadores, não para aprisioná-los em rotinas pré-definidas em laboratórios de tecnologia.

A modernização só tem sentido se for libertadora.

O tempo economizado em tarefas mecânicas, que pouco agregam ao preparo do prato, pode ser usado para testar novas receitas ou pesquisar misturas inéditas de ingredientes.

A cozinha requer um grau de trabalho artesanal que não pode ser substituído – a mão na massa ainda é uma metáfora insuperável, por mais high tech que seja o equipamento.

Cooktop novo e panela velha é que fazem comida boa.

Publicado originalmente na revista Veja.

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