Risco embutido

No Dia da Criança, ofereça bons hábitos de presente. Leia meu artigo publicado na revista Veja.

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A embalagem colorida do salgadinho na prateleira do mercado atrai o olhar inocente. Uma vez fisgada a atenção, um simpático e risonho mascote, que se confunde com o conteúdo, convida à degustação. “Me prova que você vai gostar”, parece dizer o personagem.

O pacotinho chamativo está ao alcance da mão da criança, uma cena que se repete indefinidamente em todos os lugares. Aparentemente inofensiva, a situação corriqueira é a ponta do iceberg de um quadro de crescente desequilíbrio na alimentação infantil.

Às vésperas do Dia da Criança, me chamou a atenção o risco a que está sujeita uma geração que, talvez mais do que as anteriores, tem consumido alimentos ultraprocessados e industrializados em grandes quantidades. Não é preciso ser especialista para perceber o risco à saúde que significa a ingestão em altas doses de sódio, açúcar refinado e gorduras saturadas presentes nesses doces e petiscos de sabores artificiais.

A ameaça se agravou durante a pandemia. Quase dois anos em casa, em obediência ao distanciamento social, parecem ter piorado os hábitos de muitas crianças. Em vez de jogar bola, correr pelos parques, caminhar até a escola, fazer educação física, a garotada teve que ficar em casa, e passou horas e horas por dia em frente a telas, sem gastar boa parte da energia acumulada.

Da mesma maneira que os adultos, também as crianças comem mais esse tipo de alimento para diminuir a ansiedade e o estresse. É um conhecido mecanismo de compensação psicológica que se estende a todas as faixas etárias, com um agravante para as crianças, porque elas ainda não tiveram tempo para desenvolver o autocontrole.

Os números são alarmantes. Não quero cansar o leitor, a leitora, com estatísticas, mas é bom termos em mente alguns poucos dados, para não minimizar o problema.

No primeiro semestre, a cada cem crianças de dois a quatro anos, mais de noventa consumiram alimentos ultraprocessados e setenta comeram embutidos, como mortadela, e hambúrguer, de acordo com uma pesquisa oficial. São, todos eles, os grandes vilões das dietas, pois engordam em vez de nutrir. Não é à toa que, que nos últimos treze anos, aumentou em 70% a proporção de crianças de cinco a dez anos que estão acima do peso.

O que fazer? Bem, sabe-se que a resistência das crianças a verduras, legumes e frutas tem a ver, em muitos casos, com os costumes do núcleo familiar. Por isso, ao melhorar a própria alimentação, os adultos estarão contribuindo, por meio do exemplo, para que seus filhos tenham uma vida mais saudável.

Com paciência, é possível dar uma guinada nessa tendência. O desafio não precisa nem deve vir de um discurso austero. Às vezes, basta um pouco de imaginação para convencer quem ainda não tem hábitos arraigados. Uma cenourinha crocante ou uma maçã cortada em pequenos cubos podem ser tão divertidas quanto uma bolacha recheada – basta que assim sejam apresentadas.

No Dia da Criança, além do presentinho, seria bom você dar à sua uma oportunidade para que ela aprenda a comer direito. Quando ela for adulta, poderá ter esquecido o carrinho ou a boneca, mas vai te agradecer pela lição.

Publicado originalmente na revista Veja.