Produtos da crise

Adversidade rima com criatividade, inclusive na alimentação. Leia minha última coluna publicada na revista Veja.

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Cada vez me convenço mais de que as dificuldades podem se tornar motores decisivos para invenções e novas oportunidades — inclusive no que diz respeito à gastronomia.

Sem saber, quase todos os dias saboreamos ou utilizamos algo que surgiu da necessidade de superar uma situação adversa, de descobrir coisas por mero acidente.

Pessoalmente, adoro conhecer os “casos do acaso”.

Foi assim que cheguei à história de um novo queijo, o Le Confiné, produzido na França.

Em 2020, durante o confinamento provocado pela pandemia, a família Vaxelaire, que fabrica o queijo munster, viu as vendas caírem e estocou parte de sua produção numa adega.

Lá ele absorveu a umidade do ambiente e se transformou em uma espécie de camembert mais floral e láctico, bem diferente do munster, um clássico da região.

É claro que ninguém vai bendizer o SARS-CoV-2 por ter acendido uma possível joia no universo queijeiro da França, mas é improvável que ele tivesse surgido se não fossem os impactos econômicos impostos pelo distanciamento social.

O Le Confiné aumentou, assim, a vastíssima lista de alimentos que foram criados ou se consolidaram a partir de infortúnios.

Durante a II Guerra, o conceito de barra de cereais foi inventado para servir como um tipo de “refeição de emergência” para as tropas.

O refrigerante Fanta surgiu em 1941, na Alemanha — com problemas para produzir Coca-Cola no país, devido à falta de alguns ingredientes.

Um caso curioso é o do festejado espaguete a carbonara.

Há muitas versões sobre o seu surgimento, contudo uma das mais difundidas fazem ligação do prato com o conflito mundial.

A certa altura do enfrentamento, a Itália se viu mergulhada na escassez de alimentos.

Privilegiados, os soldados americanos que ocuparam o país contavam com rações que incluíam ovos em pó e bacon.

Um cozinheiro teria misturado os ingredientes das rações à pasta e… lá estava um novo prato italiano!

A propósito, quando a II Guerra terminou, o cacau andava escasso.

Diante disso, a Pasticceria Ferrero, do Piemonte, resolveu misturar creme de amêndoas, açúcar e um pouquinho da então rara maravilha do cacaueiro. A novidade resultaria no hoje popular Nutella.

E, voltando no tempo, o leite condensado industrializado, patenteado nos EUA em 1856, ficou famoso na Guerra Civil Americana ao ser transportado pelos combatentes.

Saindo dos alimentos em si, porém não da cozinha, temos um capítulo célebre: o do micro-ondas.

No início da Guerra Fria, o engenheiro americano Percy Spencer se dedicava à construção de peças que gerassem ondas eletromagnéticas para fins militares. Um dia, depois de horas de trabalho, ele percebeu que o chocolate que estava em seu bolso havia derretido.

Daí para o utilíssimo forno que se espalharia por todo o globo foi um pulo.

Chama a atenção, ainda, os esforços no front específico da saúde — com os quais compartilho — para a difusão de receitas e produtos com poucas calorias, a fim de vencer outra guerra ameaçadora: a da elevação dos porcentuais de pessoas obesas mundo afora.

Os exemplos poderiam continuar, inumeráveis.

Quando a dificuldade surge, a criatividade a enfrenta — e o resultado não é só uma rima, é uma solução.

Publicado originalmente na revista Veja.

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