Pernalonga, vida longa

A lebre amalucada chega aos 80 anos esbanjando energia. Leia minha coluna publicada na revista Veja.

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O que me encanta no Pernalonga é sua capacidade de cativar crianças de todas as idades por tanto tempo.

Não sentiu o peso dos anos; manteve-se jovem.

Talvez seu segredo seja preservar o espírito autêntico, a personalidade, a veia gozadora que parece ser sua fonte da eterna juventude.

“O que é há, Velhinho?”, ele repetia ao se dirigir ao seu antagonista, o caçador Hortelino Troca-Letras, que no bordão original, em inglês, era chamado de “Doc”.

Foi a tradução brasileira que associou a suposta sapiência do “Doutor” à idade avançada.

Hoje, fora da tela, o velhinho é o Pernalonga.

Os recém-festejados 80 anos do Pernalonga são um lembrete do óbvio: a inexorável passagem do tempo.

Ontem, lá estava eu, diante da TV em branco e preto do início dos anos 70, me divertindo com as estrepolias desse coelho amalucado.

Hoje, cá estou, elocubrando sobre longevidade a partir das lembranças do personagem que, por pertencer ao universo do desenho animado, ignora a implacável lei da vida dos seres de carne e osso.

Durante sua longa trajetória, muita coisa mudou.

Pernalonga surgiu em 1940, quando a expectativa de vida ainda não se beneficiara das descobertas mais recentes da pesquisa médica ou das melhores condições de alimentação e higiene, a que hoje tem acesso grande parcela da população.

Quando o coelho surgiu, a expectativa de vida no Brasil era de apenas 45 anos ao nascer.

Hoje, quase dobrou em algumas regiões – em Santa Catarina, a média é de 83 anos.

Com os avanços da tecnologia e medicina, já podemos nos imaginar aos 120.

Devido à sua existência fictícia, Pernalonga não precisaria, é claro, de cuidados para se manter em forma, bastando para isso o capricho do traço do seu criador.

Mas seus hábitos mais identificáveis – a intensa atividade física e a dieta saudável – estão entre os mais recomendáveis para quem almeja a longevidade.

Mexer-se é um remédio sem contraindicação.

Quanto à cenoura, é rica em fibras e antioxidante, e pobre em calorias.

Cuidados alimentares e exercício constante são condições necessárias para a longevidade, mas não suficientes.

O aspirante a longevo precisa sobretudo de um projeto de vida.

Viver mais tempo deveria ser um meio para se fazer algo a mais, não um fim em si mesmo.

Lembro-me do arquiteto Oscar Niemeyer, que, sempre focado no que estava por vir, inclusive no terreno dos afetos, mal teve tempo para comemorar seu centenário.

Morreria quatro anos mais tarde, em 2012, em meio a projetos inacabados que lhe davam sentido à vida.

Lembro-me também de Mick Jagger, com sua jovialidade de vovô roqueiro, e de Mike Tyson, que, aos 54 anos, voltará aos ringues em setembro.

O isolamento social decorrente da pandemia nos deu tempo e condições de reflexão para o desenvolvimento de projetos pessoais.

Houve quem aprendesse a cozinhar. Outros preferiram aprender a tocar um instrumento.

Alguns colocaram em dia leituras essenciais sempre postergadas pela rotina.

Na verdade, pouco interessa a natureza da iniciativa – pode ser a concepção de um novo monumento ou um plano infalível para impor uma derrota definitiva a Hortelino.

O que interessa é saber como vamos aproveitar a oportunidade, que nos é dada pela ciência, de protagonizar capítulos extras do nosso seriado particular.

Originalmente publicado na revista Veja.

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