O boi, o tigre e a inflação

É hora de redefinir o endereçamento das prioridades reais, a começar pelo combate à alta dos preços. Leia a coluna de Luiz Carlos Trabuco Cappi publicada no Estadão.

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O Brasil atravessou bem mais de uma dezena de crises econômicas graves, entre as quais o choque do petróleo de 1973, a moratória da dívida externa, o desabastecimento e a hiperinflação dos anos 1980, os ataques especulativos com as quebras cambiais da Tailândia, México e Rússia nos anos 1990 e a forte crise financeira global dos anos 2008-2009.

Como sabemos, em diferentes circunstâncias, graus de sacrifício e consequências para a economia brasileira, superamos.

Existe uma energia na sociedade brasileira que é subestimada e permanece esquecida nos períodos de bonança e calmaria, mas que irrompe com força quando a crise se apresenta e precisa ser enfrentada.

Para que isso ocorresse, sempre houve duas premissas: um rumo correto orientado pelas lideranças do País, com propostas claras e capazes de mobilizar a sociedade a partir de seus reais interesses, e um amplo debate nacional em torno delas, para construir o consenso político indispensável à construção de bons projetos nacionais.

Neste momento, essa energia está sendo mitigada, pois vivemos uma inversão de prioridades.

Governo, partidos políticos e, inclusive, representantes da sociedade direcionam suas preocupações à perspectiva eleitoral, em detrimento das questões urgentes do País.

E quanto mais prematura a campanha eleitoral, maiores se tornam os desafios para a construção de um cenário benigno.

O restabelecimento de uma agenda econômica básica começa, necessariamente, pela definição de foco no combate à inflação, cuja taxa anualizada pode chegar a dois dígitos.

Conhecemos bem seus efeitos corrosivos para a renda dos cidadãos, especialmente os mais pobres, e como ela desorganiza as relações de troca da economia.

A inflação é uma tragédia econômica quando ela se torna inercial.

Quem tem memória dos tempos inflacionários no Brasil conhece o seu alto custo social.

Este ano, na iminência do pós-pandemia, voltamos a crescer e, ao que tudo indica, o PIB deverá ter alta ao redor de 5%, mas as dificuldades para o crescimento de 2022 começam a se acumular.

A estimativa de inflação, por exemplo, subiu para 8,35% em 2021 na Pesquisa Focus da semana passada. Bem acima da meta perseguida pelo Banco Central.

A previsão da Selic também já supera os 8%.

Quando olhamos para a taxa do desemprego e o aumento da desigualdade social, percebemos a envergadura dos desafios bem à nossa frente.

Estamos com 14 milhões de desempregados e 35 milhões de trabalhadores na informalidade.

A crise hídrica turva o horizonte com a ameaça de racionamento, até mesmo de eventuais apagões.

Nunca é bom colocar a carroça à frente dos bois.

O calendário eleitoral dá tempo para o País trabalhar nas prioridades concretas.

O dia 7 de abril de 2022 é a data limite para filiação partidária.

O dia 15 de agosto é o prazo final para o registro de candidaturas e o dia 31 marca o início da propaganda eleitoral em rádio e TV.

A vacinação é um claro exemplo de que prioridades bem definidas são o ponto de partida para soluções.

A partir do momento em que a imunização prevaleceu, o País conseguiu em menos de 8 meses vacinar com pelo menos uma dose cerca de 68% da população adulta e já têm mais de 39% com duas doses ou única.

O resultado é a notável redução em óbitos, internações e registros de casos de Covid-19, e a volta gradual da atividade econômica.

Os chineses demarcam seu calendário anual pelo rodízio de 12 animais.

Este 2021 é o Ano do Boi e 2022 será o Ano do Tigre.

A analogia faz todo sentido.

O que devemos fazer agora é trabalhar como um boi, antes de lutar como um tigre.

Devemos respeitar o ciclo atual como o Ano da Economia, reservando o próximo período, como determina o marco legal, para o Ano da Eleição.

Trata-se de um alinhamento adequado para o encaminhamento dos desafios a enfrentar.

É tempo de redefinir à luz do tempo, o senhor da razão, o endereçamento das prioridades reais, começando pelo combate à inflação.

Publicado originalmente em O Estado de S. Paulo.

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