Mais dificuldades, mais diálogo

Uma surpresa a cada esquina barra investimentos e trava negócios. Leia a coluna de Luiz Carlos Trabuco Cappi publicada no Estadão.

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A economia brasileira é caracterizada por contrastes.

Nas últimas semanas, esse paradoxo histórico ficou mais uma vez evidenciado.

Por meio de 16 ofertas iniciais de ações, os IPOs, e títulos emitidos, empresas brasileiras captaram R$ 102 bilhões no primeiro trimestre, melhor resultado em mais de dez anos.

Atenta aos efeitos positivos do pacote trilionário de estímulos dos EUA e da retomada chinesa, a Bolsa recuperou perdas e alcançou o patamar de 120 mil pontos.

Em reforço a essa tendência, um novo ‘boom’ global das commodities beneficia o Brasil.

O Banco Central projeta, em razão da alta na demanda e nos preços, superávit de US$ 2 bilhões nas contas externas em 2021, o que vai deixar o balanço de pagamentos do Brasil no azul.

Os agentes econômicos têm dados concretos para se sentirem otimistas.

Do lado do governo, o primeiro leilão do ano para concessões de aeroportos, estradas e ferrovias, a Infra Week, teve todos os seus 28 lotes arrematados.

Na política monetária, inicia-se um ciclo de normalização, o que aponta para menos volatilidade dos ativos e redução da curva longa dos juros.

Esse é o caminho virtuoso.

São tendências com valor estratégico, que apontam para o horizonte muito além da pandemia e das eleições de 2022.

No outro prato da balança, os dados negativos mostram o peso do desequilíbrio.

O País é um dos líderes mundiais de óbitos pela covid-19.

Deixamos a nona posição dos maiores PIBs do planeta para ocuparmos agora o 12.º lugar.

No período de um ano, o real foi uma das quatro moedas que se desvalorizaram frente ao dólar, entre 31 pesquisadas pela FGV Ibre.

O desemprego sobe, e a renda per capita caiu 4,8% em 2020.

Esse contraste é um fenômeno antigo da economia brasileira, muitas dificuldades imediatas e vantagens estratégicas que ancoram o otimismo de longo prazo e mitigam o pessimismo do presente.

Convivem um lado exuberante e desenvolvido com outro cercado pelas dificuldades.

Sabemos crescer rápido.

O que falta é equilibrar as desigualdades.

A forma de fazer convergir essas duas faces é o diálogo entre as instituições, insistir no convencimento.

Antes de a pandemia da covid-19 atingir em cheio os indicadores econômicos e sociais, conseguimos avanços consistentes por meio do entendimento.

Praticamente por consenso, o Congresso aprovou a reforma previdenciária.

O resultado, ao contrário do que professavam os céticos, não destruiu nosso sistema de proteção social, mas o modernizou e dinamizou.

Quando mais reformas estruturantes eram ensaiadas, o vírus se espalhou pelo mundo e não parou mais.

Agora, diante da dramaticidade do quadro atual, as urgências são outras, mas as soluções prosseguem assentadas nos pilares do diálogo, do respeito e da colaboração.

Ouvir mais; refletir mais.

É por meio da negociação política que, desde 1988, a partir da atual Constituição, o Brasil tem conseguido melhorar a qualidade de vida da sua população, o ambiente de negócios e a confiança nas instituições.

Dialogar passou a ser a forma de arte política mais elevada.

Toda conduta no conceito do “quanto pior, melhor” nos fará fracassar como Nação.

Quanto maiores as dificuldades, mais necessário intensificar a busca de convergências.

Não podemos nos furtar a conversar com quem pensa diferente de nós.

Para que o debate avance, nada é mais importante, hoje, do que atender às necessidades básicas da população.

Ou seja, alimentação, insumos hospitalares, vacina e emprego.

Fora dessa agenda, até mesmo as reformas podem ter seu timing redefinido.

Sem baixar a temperatura institucional e política, dançamos à beira do abismo.

A agenda básica começa pela busca da serenidade entre os protagonistas dos Três Poderes.

Uma surpresa a cada esquina barra investimentos e afeta os negócios, assusta.

É preciso tranquilidade e previsibilidade para atrair capital.

Um pouco de paciência evita impasses desnecessários.

É hora de insistir na tempestividade e na resiliência.

Publicado originalmente em O Estado de S. Paulo.

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