Jantar à luz dos pixels

O relacionamento certo pode estar no aplicativo errado. Leia minha última coluna publicada na revista Veja.

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Num dos episódios mais marcantes de A Idade Dourada, uma das séries do momento no streaming, vemos a inauguração da iluminação elétrica em Nova York, com a apresentação da invenção de Thomas Edison ao público.

Neste momento, há 140 anos, foram acesas três mil lâmpadas ao mesmo tempo.

E então a humanidade dominava a noite.

Seria o marco, também, do fim dos jantares à luz de velas?

Não foi bem isso que aconteceu.

Até hoje, esse costume representa o autêntico jantar romântico no imaginário de várias culturas.

A bem da verdade, o ideal é até desligar o interruptor para fazer o clima.

Fecham-se os olhos tanto para o beijo quanto para aguçar o paladar.

Afinal, compartilhar refeições e relacionamentos faz parte de nossa história evolutiva.

Neste contexto, a luz bruxuleante das velas representaria a mesma incandescência humorosa das fogueiras, uma lembrança inconsciente (e reconfortante) do nosso tempo nas cavernas.

Desde o convite aos guardanapos pousados no colo, comer juntos está na base de sustentação para um compromisso prestes a se tornar mais íntimo.

O jantar idealizado à meia-luz deve ser tão perfeito quanto o relacionamento que se quer saborear.

Dessa forma, precisa ser uma mistura equilibrada entre escolha do local, oferta do menu e a iluminação – tudo para criar uma atmosfera onde os suspiros apaixonados são antecipados a cada garfada.

Corta para 2022, e nos vemos em uma cidade hiperiluminada, com as pessoas cada vez mais sozinhas.

No lugar de uma vela para unir destinos, cada um tem diante de si a sua própria fonte de luz azul, na tela do celular sempre ligado.

E agora, será que o romantismo sobrevive a mais este ataque luminoso?

Certamente.

Pelo menos, é o que nos faz pensar a história da americana Katie Skare.

Assustada por se ver confortável demais sozinha aos 37 anos, resolveu apelar para o celular.

Mas nada de aplicativos de encontros, tão óbvios e cheios de pessoas interpretando personagens.

A ideia envolvia jantares românticos.

Sim, no plural.

Isso porque ela abriu uma conta no Tik Tok e, através de vídeos, passou a convidar estranhos para encontros.

A proposta?

Juntos, deveriam experimentar às cegas um dos muitos restaurantes da cidade – principalmente, sanduíches.

A princípio, imaginou que surgiriam poucos interessados.

Mas logo começaram a chegar centenas de pessoas querendo (literalmente) partir o pão.

Se o objetivo era a coisa virar café da manhã no dia seguinte, já mudou.

O que a tem surpreendido mais são as conexões restabelecidas, nas quais já dividiu a conta com um estranho que trabalhava por coincidência no mesmo prédio que ela, e com uma ex-colega de escola de vinte anos atrás, dentre os ocasionais pretendentes.

Até agora, nada sério.

Será?

Como resultado, Katie virou uma nanoinfluencer, com cerca de 20 mil seguidores na rede social atrás de sua luz própria.

Mudou a vida solitária, se expondo mais.

Está mais vaidosa, e se cuida para controlar o peso.

Talvez esteja mais difícil arrumar namorado do que um companheiro para saborear um bom sanduíche.

Esta pode ser uma luz para entender qual deve ser a sua busca.

Publicado originalmente na revista Veja.

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