A clareza do discurso

Um elogio aos profissionais que traduzem as complexidades. Leia meu artigo publicado na revista Veja.

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Admiro as pessoas que, sendo mestres em seus ofícios, conseguem transmitir seus complexos conhecimentos a leigos.

Não há nada de trivial na simplicidade.

Ao contrário, deve dar um trabalho danado traduzir a essência de uma mensagem em linguagem amigável, sem abrir mão do conteúdo, nem resvalar na superficialidade que pouco acrescenta à compreensão do que está em jogo.

Alguns médicos se encaixam nesse perfil.

Certa vez, quando embarquei em uma dieta pobre em carne vermelha, apresentei sinais de deficiência de ferro.

O médico e amigo, o doutor João Toniolo, poderia ter se exibido com expressões tão científicas quanto obscuras.

Em vez disso, fez uma comparação feliz.

Os nutrientes do corpo humano, ele enumerou, estão como que dispostos em três lugares de uma mercearia: no balcão, na prateleira e no estoque.

E concluiu: um produto desaparece primeiro no balcão para depois sumir da prateleira e, finalmente, do estoque.

Gosto de pensar que o médico pensou a metáfora especialmente para mim, considerando minha memória afetiva com o varejo.

De qualquer maneira, a verdade é que desde então pensei em como os nutrientes do meu corpo estariam espalhados no meu empório corporal.

Outro caso inesquecível envolveu um prosaico Bubbaloo, o colorido e inocente chiclete que tanto apela às crianças.

Como no armazém, ele também serve como metáfora.

Numa consulta por causa de uma queixa relacionada à minha coluna, o médico deixou de lado o palavreado técnico e resolveu simplificar a explicação.

As articulações das vértebras de nossa coluna, ele disse, lembram aquela goma de mascar em formato de almofadinha com um líquido dentro.

Quando o chiclete racha, o recheio vaza – e vem daí o prazer fugaz da molecada e a preocupação do adulto com alguma dor nas costas.

Desde esse dia foi impossível voltar a caminhar ou pegar peso sem pensar nos Bubbaloos.

A comunicação, como se sabe, não é aquilo que você fala ou escreve.

É o que o outro entende.

De que adianta a melhor explicação do mundo, se colocada em termos que vão deixar o interlocutor boiando?

O jargão profissional serve, no mais das vezes, para valorizar quem dele lança mão tentando projetar um conhecimento profundo e inacessível.

Pois esse, arrisco afirmar, não é o profissional mais brilhante.

O bom médico, o bom engenheiro, na minha percepção, é aquele que não tem medo de compartilhar seu saber, e o faz de maneira criativa.

Não é de hoje que se sabe da eficiência da mensagem indireta.

Jesus Cristo, que transmitia ensinamentos por parábolas, usava o recurso com grande propriedade, tanto é que até hoje elas ainda povoam o imaginário popular.

Tive excelentes professores de humanidades, desde o Colégio Assunção.

Mas confesso que, sem as imagens adequadas na época, não sabia para que serviam os conceitos de seno, coseno e outros tantos.

Mas as escolas mudaram.

Conversando com minha neta Valentina, percebi sua admiração pelo estilo de alguns professores, que ensinam traduzindo as matérias.

Médicos, professores, líderes empresariais, qualquer um capaz de dominar essa arte sempre terá seu público na palma da mão.

Publicado originalmente na revista Veja.

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