Armadilhas da autossabotagem

Quando o cérebro inventa mil motivos para permanecermos na zona de conforto. Leia minha última coluna publicada na revista Veja.

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Conhecemos o roteiro de cor: a nova dieta vai bem até que, algum tempo depois, aumentam as desculpas para saborearmos uma guloseima “só hoje”.

As “escapadas” vão ficando mais frequentes e, quando se vê, os maus hábitos estão todos de volta.

E o projeto de construção de um estilo de vida mais saudável acaba desmoronando como um castelo de cartas.

Curiosamente, as pessoas percebem que estão montando pequenas armadilhas para elas mesmas, sabendo no fundo que cairão nelas.

E também sabem que se sentirão um lixo ao final desse processo, mas nada podem fazer para evitar este enredo que acaba virando um ciclo vicioso, bizarro e cruel.

Por que nós, às vezes, boicotamos nossos próprios esforços?

A psicologia tem um nome para isso: autossabotagem, mecanismo utilizado por muitas pessoas para contornarem o medo da frustração.

Pessoas que geralmente desenvolvem uma relação de amor e dependência de suas auto-imagens confusas e contraproducentes.

Imagens que, de certa forma, as ajudam a navegar pela vida, ainda que logicamente queiram mudá-las.

Mas a autossabotagem é um processo em que a lógica não prevalece.

Perante um desafio ou mudança de vida impactante, nosso cérebro pode inventar dezenas de justificativas para continuarmos na chamada zona de conforto.

É como se a mente dissesse: “Já que tudo pode dar errado, melhor nem tentar”.

Isso explica muita coisa.

Na infância e adolescência, o branco na hora de uma prova importante.

Na vida adulta, o adiamento da mudança de emprego pela enésima vez, ou o fato daquele projeto de abrir um negócio próprio nunca sair do papel.

Para além das limitações e dificuldades reais, esses são exemplos clássicos de como o medo de fracassar pode ser paralisante.

Um estudo da Universidade de Indiana, nos Estados Unidos, indica que ficamos mais propensos à autossabotagem quando estamos muito concentrados.

Ou seja, seria justamente quando mais nos esforçamos que começamos a buscar justificativas para abandonar um projeto pela metade, escapando, com isso, da possibilidade de fracassar.

A preocupação excessiva com uma dieta, por exemplo, raramente leva a bons resultados.

Afinal, ninguém consegue pensar 24 horas por dia no que comeu ou deixou de comer.

Essa tensão acumulada nos leva, em algum momento, a puxar nosso próprio tapete.

O que isso ensina?

Para começo de conversa, vale aquele ditado: “O ótimo é inimigo do bom”.

Ou seja, façamos sempre o melhor possível, mas conscientes de que perfeição não existe, a não ser como meta.

Toda empreitada está sujeita a imprevistos, a adaptações e improvisos no meio do caminho.

Se não levarmos isso em conta, a frustração se torna inevitável.

É essa incapacidade de aceitar percalços que ativa o mecanismo mental da autossabotagem.

É normal experimentar algum receio diante do que é incerto.

Aristóteles já dizia que a coragem é um meio termo entre o medo pusilânime e a confiança arrogante, e que, portanto, não há coragem sem alguma dose de prudência.

O problema, como sempre, são os extremos.

Encare com leveza as frustrações.

Elas são parte da vida.

Confortando o lado medroso do cérebro, não lhe faltará coragem para avançar sem o risco de atirar no próprio pé.

Publicado originalmente na revista Veja.

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