Apetite emocional

Comer sem fome pode ser um pedido de ajuda. Leia meu artigo publicado na revista Veja.

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Dentre as espécies do reino animal, de um mosquito a um elefante, todas se alimentam quando têm fome, ou quando levam no instinto a lembrança de longos períodos de privação – menos os seres humanos.

Se isso constitui um sinal evolutivo distinto, cabe debate.

O fato é que, além de buscar alimento para aplacar uma necessidade vital, comemos também por outros motivos.

Um deles é para cumprir horários.

A sociedade industrial fracionou nossa alimentação.

E dividiu o dia em café da manhã, almoço e jantar.

Assim foram organizados os turnos de trabalho, a programação das aulas nas escolas, e o cotidiano dentro de casa.

Outro motivo não natural é comer para aplacar o apetite emocional, que segue crescendo nesses tempos de pandemia.

O problema é que vivemos em uma época que faz esses dois fatores colidirem.

Afinal, para quem está em home office há mais de um ano, comer em horas e locais diferentes em casa já é o novo normal.

Quanto à ansiedade, esta anda nas alturas.

Segundo a OMS, o Brasil tem hoje o maior índice de pessoas ansiosas do mundo.

Um transtorno que leva, invariavelmente, à “boca nervosa”.

Quer um nome melhor?

Pode chamar de transtorno da compulsão alimentar periódica.

Uma prática estimulada lá atrás, nos anos 1960, por uma história curiosa.

Em 1967, um executivo americano chamado David Wallerstein recebeu como missão aumentar as vendas de pipoca nos cinemas.

No início, Wallerstein tentou todo tipo de marketing: compre um saco e leve outro pela metade do preço, promoções em matinées, mas nada.

Até que teve uma ideia: “E se, em vez de vendermos um saquinho pequeno às pessoas, daqueles de pipoqueiro em frente aos cinemas antigos, oferecêssemos logo “um balde” como pedido mínimo?”

Feito isso, as vendas dispararam.

Ninguém jamais havia pensado assim.

Acreditava-se na época que, se o público consumidor quisesse mais pipoca, simplesmente compraria mais pipoca.

Mas a suposição era falsa.

Na verdade, as pessoas queriam (e querem) comer mais sem ter de pedir mais.

Depois disso, o conceito se espalhou para o consumo de outros snacks e os famosos “combos” de fast foods, que incluem vários itens em um único pedido.

De modo paradoxal, não colocamos limites na compra e no consumo de comida porque não queremos ser vistos como gulosos.

Hoje entretanto, ninguém está vendo o quanto estamos comendo.

Trancados em casa, sem horários fixos e buscando encobrir um vazio existencial, muitas pessoas tem comido como nunca, automaticamente, uma porção atrás da outra.

Ao encher a boca o tempo todo, o que elas querem calar?

De minha parte, fiquei pensando em como ajudar já que minha expertise passa por propor alimentos mais leves.

Talvez por este caminho possamos minimizar alguns danos.

Vou aproveitar para passar, então, algumas dicas.

Quando quiser “manter a boca ocupada”, que tal experimentar vegetais crocantes, como cubos de pepino, nabos ou tomates cereja?

Qualquer coisa pouco calórica que faça barulho ao mastigar.

Vale até pipoca zero gordura.

E para favorecer a disciplina, um bom caminho é evitar a solidão dentro de casa, já que ninguém quer ser percebida como alguém que come sem parar.

Ter companhia pode ser um desafio na pandemia para muita gente, mas vale a pena dar uma atenção especial a esse desafio.

Há muitos outros truques gastronômicos capazes de aplacar a ansiedade e distrair os pensamentos.

Eu poderia encher este espaço com eles.

Mas, no final, seriam apenas isso mesmo, truques.

Se comer compulsivamente já deixou de ser um sinal discreto de que algo não anda bem, vale lembrar que sempre podemos recorrer a outro hábito que outros animais não conseguem adotar para sinalizar isso à sua espécie: pedir ajuda.

Publicado originalmente na revista Veja.

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