Aida e o velho normal

A ópera de Verdi nos faz desejar a vida como ela costumava ser. Leia minha última coluna publicada na revista Veja.

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Há muita atualidade na ópera Aida, que até recentemente esteve em cartaz no Theatro Municipal de São Paulo, e tive a oportunidade de ver.

Composta há 150 anos por Verdi, a obra já seria muito interessante se apenas contasse uma história envolvente, nos remetendo a um passado pouco conhecido.

Deixo a crítica musical a quem é do ramo.

O que me interessa aqui são alguns aspectos sobre os quais o enredo e a montagem me convidaram a refletir.

O espetáculo busca afinidades entre dois mundos apartados pelo tempo e pelo espaço.

A guerra colonial do Egito contra a Etiópia serve como pano de fundo do libreto.

Hoje, a guerra da Ucrânia, invadida pela Rússia, está nas primeiras páginas dos jornais.

São conflitos que impactam corações e mentes, e o foco da trama traz a dimensão humana da guerra.

Como se sabe, a personagem que dá título à ópera é uma princesa etíope presa e escravizada pelo invasor sob o comando de Radamés, por quem ela acaba se apaixonando.

É uma situação que opõe afeto a poder.

Aida evolui ao longo dos quatro atos.

Fragilizada no início, ela se torna uma mulher forte, capaz de lidar com as adversidades do destino e do acaso.

O prazer da volta das temporadas de ópera foi reforçado pelas circunstâncias em que a peça foi encenada.

Os ensaios estavam concluídos no início de 2020, quando a estreia teve de ser adiada por causa da pandemia.

O atraso imprevisto arrastou-se por mais de dois anos.

Durante esse longo período, todos nós procuramos maneiras de seguir a vida a partir da perspectiva de uma espécie de plano B, algo que passou a ser chamado de “novo normal”.

A ópera nos remete ao velho e bom normal.

A encenação de Bia Lessa foi muito além de respeitar a peça do expoente do romantismo italiano do século XIX.

Uma vez abertas as cortinas, despertaram nossa atenção as caixas de papelão fazendo as vezes das pirâmides do Egito.

A concepção visual da diretora, com brilhante carreira também como cenógrafa, nos transportou ao norte da África da época de um Canal de Suez recém-inaugurado para o mundo, e indiretamente também ao Brasil de hoje.

Não havia espaço para a grandiosidade de montagens anteriores, que recorreram até a elefantes, como uma das mais extravagantes, em Nova York.

A solução econômica, elegante e criativa no palco brasileiro — uma adaptação que mantém a essência da proposta original — é condizente com os tempos atuais, que exigem sobriedade.

Muitos projetos culturais também foram pegos no contrapé nos últimos dois anos pandêmicos.

Alguns ganharam versões remotas, outros foram abandonados.

O que tornou único o caso de Aida é o fato de a montagem ter sido retomada do ponto em que foi interrompida, o que é mais surpreendente quando se leva em conta o porte da produção, envolvendo centenas de pessoas.

Há esperança de que, em breve, o intervalo em nossa existência imposto pelo vírus pareça algo tão distante quanto um conflito colonial.

Que a estreia tardia de Aida seja o símbolo dessa tão aguardada volta à normalidade – nas artes, no trabalho, no lazer, enfim, na vida.

Publicada originalmente na revista Veja.

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